Denúncia envolve cinco conselheiros ativos, dois conselheiros
aposentados, além de três servidores da área financeira-orçamentária.
Desvio entre 2001 e 2010 foi de mais de R$ 100 milhões
Um esquema de corrupção no Tribunal de Contas do Amapá (TCE/AP) é
objeto de denúncia do Ministério Público Federal. O MPF ofereceu ao
Superior Tribunal de Justiça (STJ) denúncia (APn 702) contra cinco
conselheiros, três servidores e dois conselheiros aposentados do TCE/AP,
acusados de desviarem mais de R$ 100 milhões do Tribunal, entre os anos
de 2001 a 2010. O esquema foi descoberto em 2010, pela Operação Mãos
Limpas, da Polícia Federal. Entre as infrações incluem-se formação de
quadrilha, peculato e ordenação de despesas não previstas em lei.
Segundo investigação da Polícia Federal e do Ministério Público
Federal, o esquema funcionava da seguinte forma: os envolvidos
descontavam cheques da conta do tribunal, sempre em espécie, na "boca do
caixa", geralmente em agência diferente daquela em que o TCE/AP possui
conta corrente. Para justificar os saques no orçamento, servidores da
área financeira os computavam como "outras despesas variáveis". A
prática de saques em espécie na conta da instituição não possui
nenhum embasamento legal, pois não é permitida pela Lei de Finanças
Públicas (Lei nº 4.320/64). Para se ter uma ideia, em um só dia, um
dos conselheiros aposentados denunciado chegou a sacar R$ 100 mil, a
título de "ajuda de custo".
A "orgia orçamentária", como se refere ao caso o subprocurador-geral da
República Eitel Santiago de Brito Pereira, responsável pela denúncia,
causou prejuízos tão profundos que, após a deflagração da Operação Mãos
Limpas, quando os saques foram suspensos, a economia nas contas do
Tribunal permitiu ao TCE/AP quitar uma antiga dívida com o Instituto de
Previdência do Amapá.
Esquema de corrupção - A divisão de tarefas na quadrilha de desvio de
recursos públicos era bem definida: a maior parte dos recursos desviados
ficava com o comandante do esquema e os servidores da área financeira.
Os conselheiros beneficiados se omitiam de fiscalizar ou questionar as
contas do próprio Tribunal, e por isso recebiam em troca altas somas. O
esquema foi montado pelo conselheiro José Júlio de Miranda Coelho,
quando este ocupou a presidência do Tribunal. De todo o montante
desviado, existe a comprovação de que Miranda Coelho realizou,
pessoalmente, saques em espécie, na conta da instituição, no valor de R$
7,5 milhões. Nenhum dos saques possui qualquer justificativa, pois não
se referem ao pagamento de pessoal e também não serviram para o custeio
do Tribunal. Além dos saques realizados, o conselheiro recebeu entre
fevereiro e julho de 2001 uma "ajuda de custo" no valor de R$ 258 mil.
O valor do patrimônio registrado em nome de Miranda Coelho ultrapassa
os R$ 10 milhões e para o MPF é uma das provas de enriquecimento
ilícito. O conselheiro recebia, em agosto de 2010, subsídio de R$
18.185,11. Com base nessa quantia, calcula-se que, desde dezembro de
1998, ele recebeu cerca de R$ 3,2 milhões em valores atualizados. No
entanto, somente em carros, embarcações e aviões, as posses de Miranda
Coelho ultrapassam os R$ 10 milhões, sem contar os mais de 50 imóveis
registrados em seu nome, no da esposa, dos filhos e no dos laranjas
utilizados pelo conselheiro. Na busca e apreensão realizada na casa de
Miranda Coelho, por determinação do STJ, durante o inquérito, foi
encontrada uma folha de cheque em branco do TCE/AP, assinada pelo
conselheiro.
Custeio de transplante e tratamento contra celulite - Dinheiro público
também foi utilizado para custear o transplante de rim de um dos
conselheiros aposentados denunciados pelo MPF. Ele utilizou recursos do
erário para custear o transplante, a passagem e hospedagem da doadora do
órgão, além dos honorários advocatícios desta. O conselheiro ainda pediu
o ressarcimento das passagens aéreas da doadora, que foi autorizado pelo
diretor de finanças do Tribunal.
Outra conselheira aposentada denunciada custeou todo o tratamento de
saúde com valores do Tribunal de Contas, apesar de possuir plano de
assistência médica particular. As despesas abrangem até mesmo
tratamentos estéticos, como o de combate à celulite, além de
medicamentos para esse tipo de tratamento. Consta nos autos o registro
de que, em setembro de 2009, a conselheira aposentada realizou três
sessões de "Accent", equipamento utilizado no combate à celulite,
sendo que cada sessão custa em média R$ 500. A conselheira pediu ainda o
ressarcimento junto ao plano de saúde particular, no valor de R$ 48 mil
pelo tratamento de saúde e também pediu ressarcimento junto ao TCE/AP,
recebendo os valores dos dois lugares. Entre 2006 e 2010 essa mesma
conselheira aposentada recebeu reembolso que ultrapassou R$ 800 mil.
Todas essas restituições, inclusive para tratamento contra celulite,
foram autorizadas pelo então presidente do Tribunal de Contas, José
Júlio Miranda Coelho, e pelo então diretor da área orçamentária e
financeira.
O esquema incluiu também um membro do Ministério Público estadual, que
oficiava perante o TCE/AP e recebeu entre 2003 e 2005, R$ 39 mil,
destinados a "reestruturação de gabinete". A quantia também foi
descontada em espécie, na boca do caixa. Há registro ainda de pagamentos
a servidores fantasmas, não integrantes do quadro do Tribunal.
Pressa na instrução - O Ministério Público Federal recomenda pressa na
instrução criminal, caso a denúncia seja aceita pelo STJ. Os
conselheiros deverão ser interrogados no STJ, mas o MPF requer que a
realização dos demais atos de instrução sejam realizados por um juiz
federal da seção judiciária do Amapá. Além disso, o MPF também solicita
uma nova decretação de afastamento de José Júlio de Miranda Coelho, pelo
prazo de 360 dias, além do afastamento dos conselheiros da ativa e dos
servidores denunciados. Miranda Coelho e os outros conselheiros na ativa
foram afastados pelo STJ preventivamente em abril de 2012.
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