Naquele fim de tarde ocorreria um fenômeno natural que eu, conhecendo essas coisas mal como conheço, não sabia bem o que era. Haviam-me dito o nome, que eu também esquecera. De qualquer forma, em razão deste evento reuníramo-nos todos em um apartamento em frente ao mar, de onde se poderia vê-lo melhor. Eu escovava os dentes e tentava me lembrar do nome do fenômeno, mas outras coisas me vinham à cabeça, e só conseguia lembrar que tinha algo a ver com o céu e com o mar. Eu, que me sentia perfeitamente à vontade naquele apartamento, fui até o armário da cozinha em busca de algo para comer. Vi que havia uma variedade de chocolates e peguei um. No total acabei voltando pelo menos uma dezena de vezes a este armário – e tentei tantas vezes assim lembrar o nome do fenômeno: só que sem sucesso. Tristemente estava só, meu namorado não pudera me acompanhar, e tinha ao meu lado como companhia minha irmã e meu irmão – uma tia jurássica que certamente estivera, um pouco antes, perdida entre escombros e fósseis, também apareceu. Ela veio e deve ter me confundido com alguém que não sou, ou com alguém que já fui mas não sou mais, porque estava irritantemente próxima e acompanhou-me ao banheiro uma hora. Mostrou-me a tinta nova que usara nas unhas. Acrescentou que teria que pedir para alguém lixá-la e mostrou-me o punho fechado – não era às unhas que se referia, mas às juntas dos dedos e da mão que estavam sujas de tinta, como as mãos de um pedreiro: o que ela queria dizer era que alguém teria que lixar a tinta, porque provavelmente não saía de nenhuma outra maneira. Suspeitando um pedido fingi não compreender e falei algo meio curto pra desconversar. Ela saiu e ficamos por isso. Tive saudade do meu amor, fui pegar mais um daqueles chocolates e, no ato, chamaram-me: estava para começar. Engoli o pedaço de uma vez só e fui me aproximando da sacada que dava para o mar. Enquanto caminhava lentamente pra lá tentei recordar ainda mais algumas vezes o nome do fenômeno; só sabia que tinha algo a ver com "dois", e que os dois eram um o céu e o outro o mar. Não perguntei nada a ninguém. Peguei meu irmão e irmã pelas mãos e fui com eles até a sacada. De repente notei uma movimentação estranha no mar. Um rebuliço perto da praia e ao longe, pro meu pavor, uma onda descomunal se erguia. Senti um aperto no estômago, mas ninguém parecia se chocar tanto quanto eu. A onda não parava de crescer, até que começou a se aproximar e eu cri que as pessoas que quiseram assistir a este fenômeno estavam cometendo suicídio. Mas minha irmã e meu irmão, de mãos dadas comigo, pareciam quentes e bem. A onda chegou bem próxima, só que mais para a direita de onde estávamos, e vinha para bater na fileira de prédios um pouco mais ao longe, até que corcoveou e caiu para trás, dentro do mar, e se desfez. Foi como se tivesse feito um movimento circular, girando no próprio eixo, e tivesse caído exausta após. Outras ondas se formaram, aproximavam-se rapidamente. Olhava-as crendo que seriam a última coisa que eu veria. Muitas mais se aproximaram e chocaram-se com as construções, mas sem estragos. Umas se chocaram com o edifício em que estávamos e a sacada, protegida por para-ventos de vidro sobre o parapeito, mal se molhava. Parecia que as ondas tinham um tamanho descomunal mas um volume interior de água muito inferior ao que teria uma deste porte – como se fossem ocas por dentro. Elas eram, assim, mais um carinho gigante do mar sobre a praia.
Mas tudo começou a ficar estranho. O mar continuava recuando mais e mais para alimentar as gigantescas vagas falsas, porém parecia que agora sua superfície se frisava e irritava: um vento forte batia. Toda a atmosfera estava estranha, algo estava prestes a acontecer. Até que me dei conta de que já acontecia. Os frisos sobre o mar eram causados pelo vento, mas um vento que nunca soprara sobre a terra antes, porque era ocasionado pela rotação anômala e acelerada do planeta. Sentia uma tensão sob meus pés, uma pressão comprimindo meu corpo e, principalmente, a cabeça. Minha visão se confundia. Larguei as mãos de meu irmãos e virei as costas para o mar. O chão chacoalhava, minhas pernas estavam fracas. Tive medo de estar morrendo. A visão escureceu. Senti como jamais antes que estava sobre um planeta desprotegido boiando no caldo celeste do espaço sideral. Vi um arco íris na escuridão. Uni as mãos entrelaçando os dedos, respirei fundo e a vista voltou ao normal, mas só por um instante: em seguida a cabeça tornou a se comprimir e a escurecer a visão novamente. O arco íris reapareceu, e o horizonte amarelo queimado de um planeta desértico, a escuridão...
Quis gemer, mas fiquei em silêncio. As ondas lá fora, a rotação acelerada, o arco íris da visão, também se aquietaram.
Escrito por Tom Custódio, 12/09/2013 às 15h11 | tomcustodiodaluz@hotmail.com
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