sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Justiça condena Capiberibe e Juliano Del Castillo a repassar a Prefeitura de Macapá impostos retidos indevidamente

O Tribunal de Justiça do Amapá deu 48 horas ao governador Camilo Capiberibe e ao secretário de planejamento, Juliano Del Castillo, para que providenciem em favor da Prefeitura de Macapá, os repasses referentes à arrecadação de ICMS e IPVA do período de 16 a 20 e de 23 a 27 de julho deste ano, sob pena de seqüestro dos valores.
A estimativa dos valores retidos irregularmente pelo governo do Estado são da ordem de R$ 1 milhão e 200 mil. A decisão é fruto de mandato de segurança impetrado pela Procuradoria Geral do Município contra o governador e o secretário de planejamento. Na ação, o Município pede aplicação de multa diária de R$ 500 mil caso o Estado não cumpra a decisão.
O secretário Juliano e o governador Camilo deram declarações mentirosas em programas de rádio e TV, patrocinados pelo governo, alegando que os repasses estivessem em dia.
Quanto ao ICMS e IPVA, que os municípios têm direito a 25% e 50%, respectivamente, a Prefeitura de Macapá denuncia constantes atrasos, principalmente nas duas ultimas semanas de cada mês, numa clara tentativa de comprometer o pagamento de fornecedores e da folha de pagamento. 25% do ICMS e 50% do IPVA arrecadados devem ser repassados aos municípios até o 2º dia útil da semana subseqüente. Os atrasos chegam a quatro semanas subseqüentes.





Eis a íntegra da liminar.


Data: 02/08/2012
Magistrado: Desembargador CARMO ANTÔNIO

Teor do Ato:

MUNICÍPIO DE MACAPÁ, por intermédio de procurador, impetrou Mandado de Segurança, com expresso pedido de liminar, contra ato supostamente ilegal e abusivo do GOVERNADOR DO ESTADO DO AMAPÁ e do SECRETÁRIO DE ESTADO DO PLANEJAMENTO.
Afirmou que as autoridades impetradas, responsáveis pelo repasse ao município da cota parte referente à arrecadação de ICMS e IPVA, têm se omitido em cumprir o prazo estabelecido pelo art. 5º da Lei Complementar Federal nº 63/1990, que determina que a transferência dos recursos deva se dar até o segundo dia útil da semana subseqüente à da arrecadação.
Informou, a esse respeito, que até a data da impetração não haviam sido repassadas as verbas referentes ao ICMS e ao IPVA apurados nos períodos de 16 a 20 e de 23 a 27 de julho, estando já vencido o prazo para fazê-lo.
Disse que os costumeiros atrasos não têm justificativa, a não ser de cunho pessoal/político-partidário, e têm gerado diversos transtornos à Administração Pública municipal, prejudicando o pagamento de pessoal, fornecedores, aplicação em políticas públicas municipais voltadas à saúde, educação, trânsito, entre outras.
Aduziu, ainda, que a retenção injustificada da verba pertencente ao Município, bem como sua utilização para saldar compromissos do Estado do Amapá constitui, em tese, crime de responsabilidade por parte dos gestores impetrados.
Assim, ao final, demonstrando o direito líquido e certo, bem como a plausibilidade do direito e o perigo na demora, requereu a concessão de liminar para determinar a imediata transferência dos créditos relativos a IPVA e ICMS do período de 16 a 20 e de 23 a 27 de julho do corrente ano, bem como para obrigar os impetrados a cumprirem, daqui em diante, o prazo estabelecido no art. 5º da Lei Complementar nº 63/1990, sob pena de multa diária no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). No mérito, requereu a confirmação da liminar eventualmente concedida e a concessão da ordem em definitivo.
Instruiu o pedido com cópias dos seguintes documentos: a) procuração; b) decreto de nomeação do patrono do impetrante; c) planilha demonstrativa dos repasses de ICMS e IPVA; d) extratos bancários das contas municipais para recebimento de ICMS e IPVA; e) autorização de liberação de créditos assinada pelo Secretário de Estado de Planejamento; e f) exemplar de jornal e texto impresso veiculado na internet dando conta dos atrasos nos repasses (fls. 15/31).
É o relatório. Decido.
A Constituição Federal de 1988 estabelece que pertencem aos municípios parte das verbas referentes à arrecadação de ICMS e IPVA. Confira-se:
Art. 158. Pertencem aos Municípios:
[...]
III - cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre a propriedade de veículos automotores licenciados em seus territórios;
IV - vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.
Para disciplinar tal matéria foi editada, no âmbito federal, a Lei Complementar nº 63/1990, que dispõe sobre critérios e prazos para crédito das parcelas do produto da arrecadação de impostos de competência dos Estados e de transferências por estes recebidas, pertencentes aos Municípios, a qual prevê o seguinte prazo:
Art. 5º. Até o 2º (segundo) dia útil de cada semana, o estabelecimento oficial de crédito entregará, a cada Município, mediante crédito em conta individual ou pagamento em dinheiro, à conveniência do beneficiário, a parcela que a este pertencer, do valor dos depósitos ou remessas feitos, na semana imediatamente anterior, na conta a que se refere o artigo anterior.
Verifica-se, assim, que a cota parte de 50% do IPVA e 25% do ICMS arrecadados semanalmente são de propriedade do município, devendo, até o segundo dia útil da semana subseqüente à da arrecadação, estar efetivamente depositados na conta do ente local. Não sem razão o mesmo instrumento normativo, em seu art. 4º, §§ 1º e 2º, prevê que os agentes públicos estaduais têm o dever de providenciar os depósitos e remessas, de imediato, nas contas de participação dos Municípios, sob pena de responsabilidade pessoal.
No caso dos autos, pelo que se pode notar dos elementos de prova trazidos pelo impetrante, está demonstrado, pelo menos em sede de cognição sumária, especialmente pela planilha demonstrativa dos repasses de ICMS e IPVA (fl. 17) e pelos extratos bancários das contas municipais para recebimento das referidas verbas (fls. 18/21), que os repasses referentes à arrecadação do período de 16 a 20 e de 23 a 27 de julho do corrente ano, que tinham data limite até 24 e 31 de julho, respectivamente, ainda não ocorreram, denotando clara inobservância do que estabelece a citada lei de regência.
Vale frisar, por oportuno, que o mesmo documento de fl. 17, em cotejo aos extratos bancários de fls. 18/21 e às autorizações de liberação de créditos assinadas pelo Secretário de Estado de Planejamento (fls. 24/25), demonstram, segundo esta análise inicial, que o atraso no repasse das verbas pertencentes ao município impetrante não se trata de caso isolado ou de imprevistos, mas, sim, de recalcitrante e habitual postura de descumprimento da lei de regência da matéria, por parte de quem tem o dever de observá-la, posto que é possível perceber o vicioso hábito de serem efetuados os repasses com 6 (seis), 7 (sete) e até 8 (oito) dias de atraso.
Não é necessário demasiado esforço para conceber que a reiterada inobservância dos repasses das verbas municipais por parte dos gestores estaduais, nos prazos legalmente estabelecidos, geram percalços à Administração Municipal, que fica alijada de honrar seus compromissos administrativos e prejudicam, sobremaneira, a efetivação de políticas públicas essenciais, como a saúde, a educação, os serviços de coleta de resíduos, entre tantos outros de caráter imprescindível, refletindo, diretamente, na qualidade de vida da sofrida população macapaense, especialmente das camadas menos abastadas, que dependem da regularidade dos serviços públicos ofertados para a realização de seus direitos mais básicos.
Frise-se que a intervenção do Estado-Juiz, no presente caso, não importa em ofensa à regra da Separação dos Poderes, posto que restaram evidenciados, pelo menos neste momento, o direito líquido e certo alegado, bem como a ilegalidade praticada, sendo esta passível de corrigenda na esfera jurisdicional.
Inexiste, ainda, qualquer óbice na cláusula da reserva do possível, posto que os gestores estaduais, a toda evidência, têm procedido à retenção e manuseio de verba não pertencente ao Estado do Amapá, mas apenas sob sua guarda provisória, eis que, no caso da arrecadação dos impostos em comento, age como mero substituto tributário e tem o dever de repassá-los ao tempo e modo corretos à Administração Municipal.
Situação semelhante foi recentemente apreciada por esta Corte de Justiça, em feito no qual o Município de Macapá pleiteava, em face do Estado do Amapá, o repasse de verbas referentes à arrecadação de ISSQN, injustificadamente retidos por este último, conforme se pode notar no aresto abaixo colacionado:
TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. REMESSA OFICIAL E APELOS VOLUNTÁRIOS. ISSQN RETIDO PELO ESTADO E NÃO REPASSADO AO MUNICÍPIO. CONDENAÇÃO DO ESTADO AO REPASSE. PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO POR FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL E IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO, CERCEAMENTO DE DEFESA E ILEGITIMINADADE PASSIVA. INOCORRÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE RETENÇÃO E RECOLHIMENTO DO ISSQN DECORRENTE DA LEI COMPLEMENTAR Nº 116 DE 31 DE JULHO DE 2003 E LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 022/2002 (CÓDIGO TRIBUTÁRIO DO MUNICÍPIO DE MACAPÁ). 1) [...] 2) Não se aplica ao caso a regra da imunidade recíproca prevista no art. 150, inciso VI, alínea a, da Constituição Federal, pois o Município de Macapá não está cobrando o ISSQN sobre serviços prestados pelo Estado do Amapá, mas sobre os serviços prestados por terceiros contratados pelo Poder Público Estadual. Portanto, nesse caso, quem é o contribuinte é o prestador de serviço (art. 5º, da Lei Complementar nº 116/03) e não o Estado, que é apenas o responsável, por substituição tributária, pela retenção e recolhimento do imposto. 3) [...] 8) Nos termos do art. 2º, do Decreto Municipal nº 1.461/2003-PMM, o Estado do Amapá deve recolher o ISSQN retido no prazo de cinco dias úteis, contados da data do pagamento do crédito relativo a cada prestação do preço do serviço e não todo dia 10 de cada mês como decidiu o magistrado. 9) [...] 11) Remessa conhecida e parcialmente provida. 12) Apelo do Município conhecido e parcialmente provido. 13) Apelo do Estado conhecido e julgado prejudicado (TJAP - ACREO 0032083-28.2011.8.03.0001 - Rel. Des. Luiz Carlos - j. em 24.07.2012 - DJE nº 141, de 02.08.2012).
O atraso, por parte da Administração estadual, na tomada de providências que lhe estejam ao alcance, para o escorreito cumprimento de obrigação decorrente de lei, como é o repasse tempestivo de verbas pertencentes ao Município de Macapá, configura omissão e, assim, fere direito líquido e certo deste último.
Neste mesmo sentido vêm entendendo pacificamente o Supremo Tribunal Federal e as Cortes pátrias, segundo julgados abaixo transcritos, proferidos em casos nos quais houve retenção indevida de verbas municipais fora das hipóteses previstas na própria Constituição Federal. Confira-se:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SERGIPE - ICMS - PARCELA DEVIDA AOS MUNICÍPIOS - BLOQUEIO DO REPASSE PELO ESTADO - [...] 1. É vedado ao Estado impor condições para entrega aos Municípios das parcelas que lhes compete na repartição das receitas tributárias, salvo como condição ao recebimento de seus créditos ou ao cumprimento dos limites de aplicação de recursos em serviços de saúde (CF, art. 160, parágrafo único, I e II). 2. [...] 3. Restrição prevista também nos casos de constatação, pelo Tribunal de Contas do Estado, de graves irregularidades na administração municipal. Inconstitucionalidade da limitação, por contrariar a regra geral ditada pela Carta da República, não estando a hipótese amparada, numerus clausus, pelas situações excepcionais previstas. Declaração de inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 20 da Constituição do Estado de Sergipe. Ação julgada procedente em parte (STF - ADI 1.106-5/SE - Pleno - Rel. Min. Maurício Corrêa - DJU de 13.12.2002 - p. 58).
CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO - AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA - [...] Mérito: participação dos municípios no produto de arrecadação do icms. Incidência do art. 158, inciso IV, da constituição federal. Retenção, pelo estado, de parte da parcela pertencente ao ente municipal. Impossibilidade. Repasse do icms que deve ocorrer de forma integral. Condenação do estado à restituição da diferença de valores não repassados ao município. Precedentes desta corte de justiça. Procedência do pedido. (TJRN - ACOr 2011.005716-8 - Rel. p/o Ac. Des. Rafael Godeiro - DJe 25.04.2012 - p. 42).
Não é demais destacar, ainda, trecho da decisão liminar proferida recentemente pelo eminente Desembargador Agostino Silvério Junior nos autos do Mandado de Segurança nº 0001082-91.2012.8.03.0000, referente a injustificado e ilegal repasse a menor da cota duodecimal pertencente ao Poder Judiciário, no qual discorre sobre a necessidade de se garantir a independência dos Poderes e que, dada a similitude das circunstâncias, pode ser aplicada ao presente caso, no qual se verifica a necessidade de efetivar a autonomia administrativo-financeira entre os entes federados. Veja-se:
[...] Traduz este preceito, indubitavelmente, uma garantia instrumental conferida ao Poder Judiciário, de forma a tornar concreto o princípio constitucional da autonomia financeira de que gozam, além de um direito público subjetivo, oponível ao Poder Executivo, destinado a assegurar-lhes a normal manutenção de suas atividades e ao regular desempenho de suas funções, evitando-se, dessa forma, um estado de subordinação financeira que venha a comprometer a própria independência político-jurídica das instituições. [...]
Ante o exposto, presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, CONCEDO A LIMINAR pleiteada para determinar que as autoridades coatoras providenciem, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas, em favor do Município de Macapá, os repasses referentes à arrecadação de ICMS e IPVA do período de 16 a 20 e de 23 a 27 de julho do corrente ano, sob pena de seqüestro de tais valores, bem como que, doravante, cumpram o prazo estabelecido no art. 5º da Lei Complementar nº 63/1990, tudo nos termos anteriormente tratados.
Notifiquem-se imediatamente as autoridades impetradas do teor desta decisão, requisitando-lhes, ainda, que prestem informações no prazo legal.
Dê-se ciência deste writ ao representante judicial da pessoa jurídica interessada, Estado do Amapá, enviando-lhe cópia da inicial, para que, querendo, ingresse no feito, no prazo legal.
Após, ouça-se a Procuradoria-Geral de Justiça.
Retifiquem-se os registros do feito a fim de que no pólo passivo passem a constar como autoridades coatoras o GOVERNADOR DO ESTADO DO AMAPÁ e o SECRETÁRIO DE ESTADO DO PLANEJAMENTO.
Publique-se.
Intimem-se.
Cumpra-se.

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